segunda-feira, 10 de novembro de 2008

O Asfalto

É engraçado a vida. Cada parada que fazemos, que seja pra comprar cigarros, pode mudar sua vida inteira.

Eu tinha pedido pra ficar surdo, mas não sabia, pelo menos não tinha ideia, que o mundo ficaria mudo por um tempo... No momento que eu levantei voo senti o mundo completamente mudo. No instante exacto em que meu corpo estava no ar antes de tocar o chão, onde o barulho da moto arrastando no chão ainda era audível, onde meu corpo procurava apoio, até o momento em que o som voltou e meu corpo se encontrou com asfalto quente e áspero.

A tristeza e a dor ficaram latentes em mim, minha pele queimou, meu dedo se quebrou e o meu sangue se derramou naquele mesmo asfalto que já era só quente, não mais áspero...
Chegava ser até macio, confortável até, me acolia e me obrigava a ficar imóvel até voltar a si. O capacete apertava, minha mão estava queimada e eu procurava algo que ainda não entendo. Talvez eu procurava a luz, mas a luz que vi era do sol mesmo e não do alem.

Levantei devagar na medida em que meu corpo dolorido permitia, olhei em volta, vi pessoas em seus carros, nos pontos de ônibus e andando nas calcadas. Todos olhavam pra mim , ou olhavam e não acreditavam que ainda estava vivo, levantando.
Aos poucos eu fui voltando a si , fui levantar a moto do chão e pedindo novamente pra ficar surdo pra não escutar o som chato das buzinas de São Paulo. Coloquei uma forca que não tinha e levantei ela do meio da avenida, ou o que tinha sobrado dela. Fui pra calcada, sentei no meio fio, tirei o capacete e me vi ali... Do alto, como se o fato de sentar no meio fio me transferisse pra uma visão do alto, fora de mim.

Eu estava sozinho, tinha alguém que falava no meu ouvido se eu estava bem, acho que era um senhor que tinha visto a cena toda, e sussurrava a placa do cara que tinha ancorado na minha frente. Falando pra anotar a placa por que ele estava fugindo, que eu estava certo e que o cara que tinha parado bruscamente na minha frente pra pegar a contra-mão, estava errado.

Eu estava certo? Todo fodido, ralado, e sem a menor vontade de ficar ali , sentado, esperando não sei o que nem quem no meio fio. Ela não dava partida, acho que a gasolina tinha a afogado, o fato dela ter "andado" na horizontal deixou a moto, digamos, fora de si.
Como um choque de desfibrilador eu dava partida, tentava ressuscitar ela, e aos poucos ela ia voltando para aquele corpo metalizado e torcido.

O som do motor funcionando, de nada vazando, me fez juntar os pedaços dela do chão e tentar controla-la no caminho de volta pra casa.
Dirigi, melhor, tentei controlar a minha dor nas lágrimas que queriam sair dos meus olhos, e do torto dela própria... Parecia a moto do Juan Miró, tinha que prestar bem atenção, pra saber que tinha sobrado algo da minha motinha.

Quanto a mim... Eu tinha consciência que eu precisava fumar um cigarro. Que antes de tudo isso eu tinha parado para compra-los, e isso tinha mudado minha linha, o meu sentido, o momento da minha vida. Por isso acho engraçado o fato de uma pequena ação mudar todo o sentido da sua vida.

Um comentário: